28/12/2016 Arthur

Sobre o uso compassivo do canabidiol, um dos compostos da maconha

O uso compassivo do canabidiol (CBD), um dos 80 derivados canabinoides da cannabis sativa, foi autorizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para crianças e adolescentes portadores de epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais, por meio da Resolução CFM no 2.113/2014.

A regra, que detalha os critérios para emprego do CBD com fins terapêuticos no País, veda a prescrição da cannabis in natura para uso medicinal, bem como de quaisquer outros derivados, e informa que o grau de pureza da substância e sua apresentação seguirão determinações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O plenário do CFM aprovou a Resolução 2.113/14 após profunda análise científica, na qual foram avaliados todos os fatores relacionados à segurança e à eficácia da substância. A avaliação de vários documentos confirmou que ainda não há evidências científicas que comprovem que os canabinóides são totalmente seguros e eficazes no tratamento de casos de epilepsia.

Assim, a regra restringe sua prescrição – de forma compassiva – às situações onde métodos já conhecidos não apresentam resultados satisfatórios. O uso compassivo ocorre quando um medicamento novo, ainda sem registro na Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa), pode ser prescrito para pacientes com doenças graves e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país.

Como forma de registrar historicamente a descoberta do possível uso do CBD para epilepsias refratárias, o colega psiquiatra José Alexandre Crippa escreveu um artigo que remete à vanguarda brasileira na busca por alternativas terapêuticas no tratamento da epilepsia.

 

Link: http://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/canabidiol-como-o-composto-da-maconha-virou-terapia-de-doencas/

Canabidiol: como o composto da maconha virou terapia de doenças

A história começou com a degustação de um bolo com o composto entre amigos

Dessa forma, esse pesquisador resolveu fazer um experimento tão simples quanto inusitado. Chamou na sua casa um grupo de amigos que foram encarregados de comer um pedaço de bolo preparado pela sua esposa (no documentário, “The Scientist” de Zach Klein, Mechoulam diz não lembrar qual era o sabor do bolo). Metade dos seus colegas comeu um pedaço com um dos compostos e enquanto a outra metade degustava o bolo sem nenhuma substância. Em um desses “experimentos” Mechoulam pôs o CBD e… nada! Ninguém sentiu nenhum efeito. Porém, outro dia, quando ele colocou THC, os amigos que comeram uma fatia com esse composto (incluindo sua esposa) apresentaram todos os efeitos típicos da droga. Ficaram “chapados”! Neste simples experimento “científico-gastronômico”, descobriu-se assim qual era a substância responsável pelos efeitos associados à maconha.

Ao longo de mais do que 10 anos a partir daqueles experimentos, achava-se que o CBD era um composto inativo, sem nenhuma ação específica. Porém, no início da década de 1970, um grupo brasileiro liderado pelo brilhante pesquisador Elisaldo Carlini descobriu ( primeiro em animais, em 1973 e depois em humanos, em 1980) que o CBD tinha efeito antiepiléptico. Essa foi a primeira ação farmacológica descrita do CBD, mas que ficou “adormecida” por muitos anos.

Curiosamente, apenas mais recentemente, os casos de crianças com quadro de epilepsia refratária, que recentemente ganharam notoriedade na mídia por terem melhorado com o uso do CBD, reforçaram essas observações pioneiras.

Vários pesquisadores que fizeram parte deste grupo trouxeram grandes contribuições na pesquisa com o CBD. De modo especial, o cientista Antonio Zuardi da USP de Ribeirão Preto e seus colaboradores colocaram o país na vanguarda nas pesquisas sobre o potencial terapêutico dessa substância e de outros derivados. Pesquisas com o CBD na doença de Parkinson, ansiedade, depressão, esquizofrenia e distúrbios do sono, entre diversas outras condições, demonstraram resultados promissores.

Recentemente, o CNPq aprovou a renovação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-TM), agora contando com 8 centros e 18 sub-centros de pesquisa espalhados pelo Brasil e exterior. Sob a coordenação dos professores Jaime Hallak (FMRP-USP) e Flávio Kapczinski (UFRGS), o INCT-TM já está recebendo recursos diretos que deram início a uma das maiores iniciativas mundiais integrando a pesquisa básica e clínica com o CBD, com outros canabinoides e com outros compostos com potencial terapêutico.

Finalmente, em uma arrojada parceria entre a Universidade de São Paulo e a indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi será construído o Centro de Pesquisa em Canabinoides da FMRP-USP (com o prédio já em fase de licitação) e será realizado já em 2017 um amplo estudo clínico do CBD em grau farmacêutico (coordenado pelo Prof Zuardi e já aprovado pelo CEP (https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT02783092) com mais de 120 crianças e adolescentes com epilepsia refratária.

Esperamos que os achados desse e de outros estudos colaborativos possam levar rapidamente à transmissão de todos esses conhecimentos para a sociedade, na incansável busca da redução do sofrimento e na melhora da qualidade de vida de pacientes e familiares de portadores de diversas doenças e transtornos.

Observação 1: Durante um jantar em uma das minhas visitas ao professor Mechoulam em Jerusalém eu questionei sua esposa, Sra. Dalia, se ela lembrava qual era o sabor do bolo dos “experimentos” iniciais com os canabinoides. Ela me respondeu:
– É claro, era de chocolate! Talvez esse tenha sido o primeiro brownie de maconha da história….

Observação 2: Agradeço a Antonio Waldo Zuardi, professor Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, pela gentileza em revisar os aspectos históricos deste texto.

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